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Casamento cristão

30 de novembro de 2016 / Entrevista entrevista

O que é o casamento para você? Já parou para pensar no que ele representa em sua vida em termos espirituais? O Anuário da Noiva – Espírito Santo convidou um padre e um pastor para falarem mais sobre como deve ser o matrimônio cristão, quais são seus propósitos, desafios e essência. Confira.

 

Padre Anderson Gomes tem 12 anos de sacerdócio e há três é pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Praia da Costa, em Vila Velha/ES. Também é coordenador de Pastoral da Arquidiocese de Vitória.

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Pastor Francisco Mecenas é pastor batista há 36 anos e preside a Igreja Batista em Vila Nova, em Goiânia/GO. É bacharel em Teologia, pós-graduado em Terapia Familiar e doutor em Ministério.

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O que é o casamento para Deus? Qual é seu propósito?

Padre Anderson Gomes

O matrimônio é o início da vida. Na Bíblia, desde o início até o fim se fala da união do casal. Gênesis coloca lá: o homem deixa pai e mãe, a mulher deixa pai e mãe e ambos se tornam uma só carne. Tudo começa com um casal. O primeiro milagre de Jesus Cristo se passa num casamento onde falta vinho. E o Apocalipse também fala do matrimônio. Na história do Antigo Testamento, o povo judeu sempre viu Israel como a noiva e Deus como o noivo. Essa espiritualidade é muito presente na Bíblia. Jesus é o noivo que vem desposar com a noiva, que é a Igreja, cada um de nós. São Paulo até compara o matrimônio a essa aliança que Deus fez com a humanidade. Ele compara a união entre o homem e a mulher com a de Deus e a Igreja. Por isso, ele fala também da indissolubilidade do casamento.

O matrimônio para nós, católicos, é um sacramento, que, por sua vez, é o sinal da presença de Deus. A palavra sacramento vem do latim sacrum (sagrado) facere (fazer), ou seja, sacramento é tornar sagrado. Olhar um casal unido em Deus é como ver os sinais reais da presença de Deus.

Pastor Francisco Mecenas

O casamento é uma expressão do cuidado de Deus com o ser humano, do profundo desejo de Deus que o homem fosse completo. É Deus expressando a Sua vontade de que o homem tivesse suas necessidades atendidas, em todas as suas áreas: física, emocional e espiritual. O casamento é o coroar da Sua obra, pois, depois de criar todas as coisas, como coroa da criação, Ele cria o ser humano, homem e mulher. Como pérola preciosa dessa coroa da criação, Deus cria o casamento para dar continuidade a sua obra-prima, com o nascimento dos outros seres humanos.

Os propósitos de Deus no casamento são superar a solidão do ser humano, produzir as novas gerações, apoio espiritual mútuo, apoio aos objetivos de vida, enfrentar juntos as suas lutas e desenvolver um amor incondicional.

Casamento é para todo mundo? Como descobrir se é para mim?

Padre Anderson Gomes

Não, o casamento não é para todo mundo, não. É vocação, é chamado. Alguns são chamados ao matrimônio. Quando Jesus Cristo fala aos apóstolos sobre o matrimônio e sua indissolubilidade (Mateus, 19), alguns até falam: “melhor nem casar”. E ele responde dizendo que alguns nasceram com condições para o casamento e outros não. Infelizmente, o matrimônio ainda não é trabalhado como vocação. Para eu ser padre, por exemplo, preciso trabalhar a vocação, ficar oito anos, no mínimo, num seminário, para depois me ordenar. Para casar não. O povo gosta, um olha para o outro e pronto. Falta uma preparação para verificar se realmente a pessoa tem condições ou não.

Pastor Francisco Mecenas

Não necessariamente. O casamento exige desprendimento para investir no outro, para amar o outro como o seu próprio corpo; exige o dividir a sua vida com o outro, partilhar o seu espaço, a sua casa, a sua agenda. Nem todo mundo tem essa disposição, muitas pessoas preferem uma vida mais reservada, mais exclusiva, mais sua. Não há pecado nisso, é a característica pessoal.

Como descobrir se o casamento é para mim? Olhe para si, para as suas necessidades, para os seus desejos, para os seus dons. Compreender a si mesmo é fundamental para descobrir se o casamento é para a sua vida. Para que você obtenha a compreensão necessária sobre si, o Espírito Santo é fundamental, Ele tem a compreensão mais profunda e completa do indivíduo. Você pode orar para que o Espírito Santo lhe ajude nesse processo. Tendo uma visão clara de si mesmo, olhe para os valores mais importantes do casamento e descubra como você se encaixa em cada um deles. Pergunte-se: estou disposto a pagar os preços necessários para construção de um relacionamento a dois?

Hoje, quais são os principais desafios para a constituição da família? Como vencê-los?

Padre Anderson Gomes

Primeiro desafio para a cabeça dos casais: sair da casa da mãe e do pai. Isso é muito difícil para as pessoas hoje em dia. Elas se casam, mas continuam com as famílias na cabeça. Outro: o casamento não é trazer o outro para viver dentro da minha vida; não é eu fazer um puxadinho na minha vida e trazer o outro para dentro de mim. Casamento é aprender a construir uma casa nova. O terceiro desafio é vencer essa ideia de ser solteiro. Eu caso, mas, na minha cabeça, continuo com minha independência, faço o que eu quero e não presto contas de nada. A Bíblia usa até uma expressão, que as mulheres não gostam, que é “mulheres, sejam submissas a seus maridos”. Mas ela também fala “maridos, amai suas esposas como Cristo amou sua Igreja”. Por mais que a mulher tenha sua independência, ela tem que aprender a ter submissão, não no sentido de se humilhar, mas no sentido de consultar o marido sobre suas coisas. E o marido, por outro lado, precisa dar a sua vida pela esposa. É difícil hoje para os casais essa dimensão. Esse é o grande desafio da vida matrimonial, que só é possível vencer amando. O ser humano precisa perceber que, no casamento, os dois se tornam uma só carne, ou seja, a dor da outra pessoa se torna a minha dor, a alegria da outra pessoa é a minha alegria também. Ser uma só carne é eu entender que o outro faz parte de mim, que a preocupação do outro é a minha preocupação.

Pastor Francisco Mecenas

Os principais desafios podem ser encontrados quando observamos o tempo em que estamos vivendo e as novas gerações. Fala-se em uma geração superficial, imediatista, irreverente e totalmente descrente das instituições. Quando olhamos para a sociedade, o que vemos? Uma sociedade egocêntrica, consumista, centrada no prazer, onde as relações são mediadas pelas redes sociais.

Como construir a família nesse contexto? O primeiro passo é compreender que essas características deste tempo têm produzido um grande vazio nas pessoas, levando algumas inclusive ao suicídio. Segundo: todo ser humano tem a necessidade de pertencer a algo. A família é uma boa oportunidade de o sentimento de pertencimento ser atendido. Terceiro: buscar referências com quem tem conseguido fazer essa construção. Muitas vezes, não se encontram essas referências em nossa própria família de origem, assim, podemos buscar em outros relacionamentos. Quarto: ter a coragem de me reinventar. Se tenho alguma dessas características citadas, posso aprender novas formas de ser. A minha relação com Deus pode me ajudar nessa caminhada.

As redes sociais, por exemplo, estão entre esses desafios? Como lidar com elas e não deixar que se tornem um tormento na relação?

Padre Anderson Gomes

Na vida a dois, deve-se ter aquilo que é comum e também não pode se perder a individualidade. Só que a particularidade não pode afetar o coletivo. Então, se nas redes sociais eu tenho uma ligação com meus amigos e outras pessoas e há confiança, tranquilo. Mas se eu começo a utilizar aquilo ali como uma fuga, um momento meu para fazer aquilo que eu não conseguiria fazer com ele ou com ela, esse é o grande problema. Isso afeta principalmente os homens. Nesses grupos de redes sociais hoje é muita pornografia que se rola, muitas conversas de baixo calão, que acabam não alimentando a vida a dois. Pelo contrário, só alimentam uma individualidade que separa.

Pastor Francisco Mecenas

As redes sociais dão a oportunidade para uma relação sem compromisso, onde o prazer é o que vale, o que importa, onde você conecta ou desconecta ao seu bel prazer. Um mundo de fantasias onde cada um pode ser o que quiser ser, mesmo que não seja. As redes sociais chegaram e estão presente em várias atividades de que participamos, não dá para ignorá-las. Mas como lidar? Primeiro é reconhecer o risco. Basta ver quantos famílias têm sido destruídas nesse ambiente, quantos casamentos foram desfeitos, quantas pessoas têm sido feridas. Segundo: ninguém está isento de risco, ninguém é tão super que não possa ser tentado. Com essas duas conclusões, é estabelecer uma estratégia para lidar com esse mundo.

Defina o que é real e realmente importante para você dentro do casamento e da família. O que é inegociável. Deixe isso claro em sua mente, em seu coração, de tal forma que nada nem ninguém lhe engane, colocando em risco esse núcleo da sua vida.

Combine claramente, objetivamente, de forma inteligente e transparente como vocês vão usar as redes sociais. Periodicamente, avalie como cada um está se sentindo. Diante de qualquer situação de risco, priorize e proteja o núcleo inegociável, previamente definido.

Falar de sexo é um tabu? Como a igreja tem tratado esse tema com os casais que pretendem se casar e também com os já casados?

Padre Anderson Gomes

Não é tabu, não. A gente fala abertamente nas formações de noivos. Abordamos a questão do anticoncepcional, do preservativo, colocamos o método que a Igreja recomenda, que é a tabela ou o método Billings, que é pela mucosa vaginal e exige que a mulher se conheça e saiba quando está fértil ou não. Isso não é tabu para nós.

Pastor Francisco Mecenas

Não, não é mais tabu. No curso preparatório para noivos, esse é um dos temas. A própria Bíblia fala sobre o assunto, especificamente o livro de Cânticos. Para os já casados, também é possível o uso de palestras, isoladamente ou em retiros e encontros de casais, que podem ser ministradas junto com os dois ou mesmo separados, podendo, assim, ser mais específicas, inclusive compartilhando técnicas para melhor se obter prazer.

Num casal, os dois são diferentes, criados por suas famílias de formas diferentes. Como aceitar a diferença do outro e conviver com ela no matrimônio?

Padre Anderson Gomes

Não existe ninguém perfeito. Eu sempre pergunto na entrevista do casal: quais são os defeitos dele? Quais são os defeitos dela? Então, é preciso apontar que eles vão se casar sabendo que o outro não vai mudar. Alguns imaginam que vão se casar e depois o outro vai mudar. Podem parar com isso! O outro pode até mudar, mas eu não posso entrar no casamento com essa pretensão. As pessoas ainda não se atinaram a isso e querem que o outro seja como nós somos.

Pastor Francisco Mecenas

As diferenças de cada cônjuge constituem uma grande fonte de atração no início do relacionamento. Pense: um é homem, o outro é mulher, os pais são diferentes, a estrutura familiar é diferente, a educação, a história de vida e, muitas vezes, a profissão. Tudo no início parece diferente, atraente e interessante, depois, com o tempo, as diferenças passam a incomodar e serem olhadas como defeito. A primeira coisa é aceitar, pois foi uma escolha feita. Segundo: quando eu tento transformar o outro em uma cópia minha, o outro se tornará desinteressante, pois será um ser sem personalidade. O diferente pode até incomodar em uma dimensão, mas sempre será interessante.

Como fugir da armadilha de querer mudar o outro, tornando-o outra pessoa?

Padre Anderson Gomes

Se podemos mudar, vamos mudar juntos, nos adaptar. Casar contando que a pessoa vai mudar é o mesmo que casar com a ideia, não com a pessoa. Eu só posso pedir para o outro mudar naquilo que não o fere na sua essência. Num relacionamento, as pessoas vão mudando, mas a mudança não pode ser a ponto de mudar o que se é.

Pastor Francisco Mecenas

Quando eu forço uma mudança, o outro se torna uma cópia minha, despersonalizado. É interessante como homem e mulher passam por equívocos nessa temática de mudar o outro. Um observador do comportamento humano chegou à seguinte conclusão: O homem vai para o casamento pensando: “com que princesa eu estou casando, que doçura, eu quero que ela fique assim para sempre, não precisa mudar nada”. Ele casa pensando que ela não precisa mudar, e o que acontece? Ela muda, o processo de mudança faz parte da natureza da mulher. Em um mês ela tem três momentos distintos, ela muda o cabelo, a sala, o quarto.  A mulher vai para o casamento pensando: “ele é bom, mas podia ser melhor, a mãe dele não soube ciar, mas deixa… quando casarmos eu dou o meu jeito, eu coloco as coisas no lugar”. Ela casa pensando que ele vai mudar, e o que acontece? Ele não muda, pois faz parte da natureza masculina a estabilidade. Ele tem o mesmo corte de cabelo de muitos anos e o mesmo estilo de roupa. Ele espera que ela não mude, e ela muda. Ela espera que ele mude, e ele não muda. Ninguém muda o outro. Cada um passará pelas mudanças para a qual se abrir. O que podemos fazer é orar, pedindo a ajuda de Deus.

Qual é a importância de se casar na igreja? Muita gente acaba se esquecendo do lado espiritual do casamento…

Padre Anderson Gomes

Casar na Igreja não é só receber uma bênção, porque da bênção eu posso sair. A bênção é muito passageira, momentânea. Casar na Igreja é receber a graça do sacramento do matrimônio. A graça é uma força, uma capacidade de Deus. Não se deve casar na Igreja por ele ou ela, e sim para colocar o casamento a serviço de Deus na Igreja. Quanto mais colocar-se a serviço, mais essa graça vai acontecer. Quando o casal se ajoelha no casamento, ele se coloca assim para que Deus possa agir através dele.

Pastor Francisco Mecenas

A questão não é só a Igreja. Ela é importante, mas a questão central é buscar a presença de Deus, a bênção de Deus e a Sua orientação. Para que isso ocorra, o casal deve estar disposto a abrir a sua vida para a ação de Deus, abrir o seu coração para o Espírito Santo e trazer os valores do Reino de Deus para as suas vidas e o casamento. Eu sempre digo aos casais que quem mais pode ajudá-los a entender o seu cônjuge é Espírito Santo, pois Ele está dentro do outro, o ama e quer o melhor da vida para ele. Ele conhece tudo da sua história, dos seus desejos e dos seus sonhos, bem com suas limitações e defeitos. Mas você só pode ter essa ajuda se tiver intimidade com Deus, para ouvi-lo e discernir a Sua orientação. Assim, a espiritualidade, o relacionamento com Deus e a Sua presença podem ser o fator de sucesso do seu casamento.

Que reflexão um casal de namorados ou noivos deve fazer para ter certeza do passo que estão querendo dar com o matrimônio?

Padre Anderson Gomes

Primeiro: conversar muito com a outra pessoa, saber suas vontades e desejos, sua cabeça, sua realidade, o que pensa da vida, da família. Deve esgotar as possibilidades de conhecimento um do outro. Lógico que, para isso, tem que ter o sentimento, tem que ter o amor. Amor também não é certeza. A gente vai tomar uma decisão que vale para a vida inteira, e as pessoas têm medo disso. Mas você acredita, porque você não casa com o futuro, mas com ele ou ela agora. Outra coisa é se informar, buscar conhecer outros casais além dos da própria família. Como é a vida deles? Conversem sobre os desafios e as alegrias. Eu até costumo perguntar aos casais: diante de tantos divórcios hoje em dia, por que você acredita que vai ser diferente? A resposta sempre é “porque eu a/o amo, não sei viver sem ela/ele”. Se você percebe que tem vontade de partilhar com essa pessoa e estar junto dela, é um bom sinal de que está pronto para casar.

Pastor Francisco Mecenas

Primeiro: o que o casamento vai exigir de mim? Eu estou disposto a pagar esse preço? Tenho alegria de amar especificamente essa pessoa? Segundo: os valores que ela quer viver no casamento são de Deus? O que ela está disposta a ser e fazer me satisfaz, me agrada? Eu tenho certeza que ela me ama? Terceiro: qual é o sentimento dos meus pais (ou outra autoridade), quanto a esse futuro casamento? Qual a visão que eles têm dela? Quarto: eu já conversei com Deus sobre as nossas vidas? Ele me abençoa e abençoa esse casamento? Posso pedir um sinal de Deus para que manifeste a sua vontade?